
Ex-marceneiro, ex-tipógrafo, ex-serralheiro, ex-escriturário, ex-topógrafo, ex-chefe de lanço da Direção Hidráulica do Mondego, ex-teatrólogo, ex-palhaço, ex-imitador, ex-músico, ex-autarca, ex-caricaturista, ex-desenhador da construção civil, ex-folclorista, ex-trapologista, ex-radialista, ex-associativista, ex-organizador dos Festivais Mágicos da Figueira da Foz…
A reportagem do CM relata: “Artista figueirense de grande popularidade. Quando chegámos à Figueira da Foz, perguntámos pela rua onde mora (de denominação recente) e ninguém nos sabia dizer onde era. Decidimos mudar de tática: “-E sabe onde mora o senhor Fausto Caniceiro da Costa?” Aí, o caso mudava logo de figura. O sorriso dos nossos interlocutores rasgava-se e abria-se num automático e espontâneo “sim, claro que sei”, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e “esse tal” Fausto, a figura mais ilustre ali da região.
FCC pode congratular-se de um feito, no mínimo, de “se lhe tirar o chapéu”: uma rua com o seu nome, em Buarcos, mesmo em frente ao mar. “Uma pessoa não pode controlar estas coisas… Já viu bem? Até já sou imortal!”, comenta, visivelmente orgulhoso e emocionado com a homenagem. O caso não é para menos. O senhor Fausto muito fez pela sua cidade. Gratuitamente e sem esperar retorno. Entre várias ações beneméritas, ele próprio é um grande bem para quem usufrui da sua companhia. Detentor de uma lucidez perturbadora – em especial para a sua idade – um sentido de humor puro e acutilante e uma vivacidade invulgar, é impossível ficar indiferente a este grande senhor, dono de uma vida memorável e que deve ficar registada para os anais da História. Uma vida multifuncional. Tudo começou quando, ainda garoto de 11 anos, se tornou aprendiz de marceneiro. “Éramos cinco filhos, eu era o mais velho da ninhada e havia necessidade de ajudar. O meu pai era marceneiro e ganhava pouco… Sabe, o trabalho infantil, antigamente, era um mal necessário”, explica Fausto. Começou a ganhar 60 escudos por mês e, “como o negócio não dava para o petróleo e o patrão [o pai] não pagava”, teve ainda de se empregar numa loja de ferragens, ao mesmo tempo que, em regime noturno, se atirava aos livros. Seguiu-se a profissão de tipógrafo “onde sempre se ganhava um bocadinho melhor”, antes da tropa o chamar aos 17 anos. “Depois ainda tive uma série de empregos (serralheiro, escriturário, topógrafo), antes de me tornar funcionário público na Direção Hidráulica do Mondego, onde fui chefe de lanço.”
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1957, com filho Fausto Azul ao colo, filha Fernanda e esposa Maria Azul |
Pelo caminho ainda se desdobrou em múltiplas atividades, muitas das quais por puro gozo, talento e que acabavam por reverter em bem para terceiros. Entre palestras, exposições de desenhos (numa das quais constavam 100 borboletas diferentes) e quadros, récitas de poesia, manifestações teatrais, organização de eventos culturais, e outros, Fausto foi sempre imparável na coleta de fundos para esta ou aquela instituição em necessidade. Aliás, o próprio deixava à consideração dos compradores das suas “obras” e contribuintes das suas (boas) ações, o critério de orientação dos lucros. Da mímica à palhaçada, da poesia popular de ir às lágrimas ao ilusionismo, este homem não perde nenhuma oportunidade de brilhar. E de levar o brilho aos olhos de quem o escuta, o observa, o conhece. Sem parar, foi também diretor interino do jornal A Voz da Figueira, cargo que aceitou por simpatia e amabilidade. E por consideração ao convite feito pela filha do então falecido diretor e seu amigo Carlos Alberto Carvalho, em Agosto de 2002 FCC aceitou “tomar conta do leme” até porque, além de ser “o elemento mais antigo do jornal” (para onde começou a escrever desde Janeiro de 1956) o semanário preparava as sua Bodas de Ouro que se iriam celebrar a 01 de janeiro de 2003), para as quais preparou um extenso e variado programa de comemorações, acrescentando na altura que algumas delas poderiam contar com o seu protagonismo “…pois como eu também faço ilusionismo…”, explicou em jeito de justificação.

Em plena juventude da terceira idade, Fausto Costa fogiu à regra e não era daqueles que passava o tempo nos bancos do jardim, a jogar às cartas ou à malha, ou sequer a falar dos tempos idos.
Além de uma exposição de pintura que realizou no Posto de Turismo em Buarcos, foi editando vários livros de edição própria e que esgotam num ápice, e alguns lançados por editoras. E fazia assim: ia guardando recortes e escritos onde guardava ideias, e de repente um dia acordava, ‘afinava’ a caneta e lá saia mais série de escritos esperando nova oportunidade de perpetuá-los! Só num ano publicou três.
Fausto Caniceiro da Costa: uma vida assim dava um filme… sempre por acabar e com um argumento em permanente reescrita.
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(Fausto Caniceiro da Costa nasceu em 05 de março de 1914 na Rua das Mercês na Figueira da Foz. Faleceu a 26 de setembro de 2006 com 92 anos)
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