5.3.18

Fausto Caniceiro da Costa – Um figueirense ‘Homem dos mil ofícios’


Onde está uma boa ação, uma atitude que é bem mais do que serviço público, uma gracinha de rir até às lágrimas, ele estava lá. Um homem que era uma dádiva à sociedade e um exemplo de vida. Com mais de duas dezenas de profissões no currículo Fausto Caniceiro da Costa não parou até aos 92 anos, idade com que faleceu. 
Ex-marceneiro, ex-tipógrafo, ex-serralheiro, ex-escriturário, ex-topógrafo, ex-chefe de lanço da Direção Hidráulica do Mondego, ex-teatrólogo, ex-palhaço, ex-imitador, ex-músico, ex-autarca, ex-caricaturista, ex-desenhador da construção civil, ex-folclorista, ex-trapologista, ex-radialista, ex-associativista, ex-organizador dos Festivais Mágicos da Figueira da Foz… 
A reportagem do CM relata: “Artista figueirense de grande popularidade. Quando chegámos à Figueira da Foz, perguntámos pela rua onde mora (de denominação recente) e ninguém nos sabia dizer onde era. Decidimos mudar de tática: “-E sabe onde mora o senhor Fausto Caniceiro da Costa?” Aí, o caso mudava logo de figura. O sorriso dos nossos interlocutores rasgava-se e abria-se num automático e espontâneo “sim, claro que sei”, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e “esse tal” Fausto, a figura mais ilustre ali da região. 
FCC pode congratular-se de um feito, no mínimo, de “se lhe tirar o chapéu”: uma rua com o seu nome, em Buarcos, mesmo em frente ao mar. “Uma pessoa não pode controlar estas coisas… Já viu bem? Até já sou imortal!”, comenta, visivelmente orgulhoso e emocionado com a homenagem. O caso não é para menos. O senhor Fausto muito fez pela sua cidade. Gratuitamente e sem esperar retorno. Entre várias ações beneméritas, ele próprio é um grande bem para quem usufrui da sua companhia. Detentor de uma lucidez perturbadora – em especial para a sua idade – um sentido de humor puro e acutilante e uma vivacidade invulgar, é impossível ficar indiferente a este grande senhor, dono de uma vida memorável e que deve ficar registada para os anais da História. Uma vida multifuncional. Tudo começou quando, ainda garoto de 11 anos, se tornou aprendiz de marceneiro. “Éramos cinco filhos, eu era o mais velho da ninhada e havia necessidade de ajudar. O meu pai era marceneiro e ganhava pouco… Sabe, o trabalho infantil, antigamente, era um mal necessário”, explica Fausto. Começou a ganhar 60 escudos por mês e, “como o negócio não dava para o petróleo e o patrão [o pai] não pagava”, teve ainda de se empregar numa loja de ferragens, ao mesmo tempo que, em regime noturno, se atirava aos livros. Seguiu-se a profissão de tipógrafo “onde sempre se ganhava um bocadinho melhor”, antes da tropa o chamar aos 17 anos. “Depois ainda tive uma série de empregos (serralheiro, escriturário, topógrafo), antes de me tornar funcionário público na Direção Hidráulica do Mondego, onde fui chefe de lanço.” 
1957, com filho Fausto Azul ao colo, filha Fernanda e esposa Maria Azul
Por outras palavras, durante 46 anos tratou da conservação dos rios, das valas, das correntes, das pontes e das obras que se faziam à beira-rio. Mas que não se pense que a função pública o impediam de outras funções. “A necessidade obriga o engenho” e Fausto lá ia arranjando tempo para outros projetos. “O Estado paga muito mal, havia que alimentar os filhos [um casal nascido entretanto] e lá arranjei um trabalho na construção civil [desenhador]. Quando veio o 25 de Abril, fui aumentado para o ordenado mínimo: 3 contos! E os meus subordinados, os guarda-rios, passaram também a ganhar o mesmo que eu”, recorda, irónico. 
Pelo caminho ainda se desdobrou em múltiplas atividades, muitas das quais por puro gozo, talento e que acabavam por reverter em bem para terceiros. Entre palestras, exposições de desenhos (numa das quais constavam 100 borboletas diferentes) e quadros, récitas de poesia, manifestações teatrais, organização de eventos culturais, e outros, Fausto foi sempre imparável na coleta de fundos para esta ou aquela instituição em necessidade. Aliás, o próprio deixava à consideração dos compradores das suas “obras” e contribuintes das suas (boas) ações, o critério de orientação dos lucros. Da mímica à palhaçada, da poesia popular de ir às lágrimas ao ilusionismo, este homem não perde nenhuma oportunidade de brilhar. E de levar o brilho aos olhos de quem o escuta, o observa, o conhece. Sem parar, foi também diretor interino do jornal A Voz da Figueira, cargo que aceitou por simpatia e amabilidade. E por consideração ao convite feito pela filha do então falecido diretor e seu amigo Carlos Alberto Carvalho, em Agosto de 2002 FCC aceitou “tomar conta do leme” até porque, além de ser “o elemento mais antigo do jornal” (para onde começou a escrever desde Janeiro de 1956) o semanário preparava as sua Bodas de Ouro que se iriam celebrar a 01 de janeiro de 2003), para as quais preparou um extenso e variado programa de comemorações, acrescentando na altura que algumas delas poderiam contar com o seu protagonismo “…pois como eu também faço ilusionismo…”, explicou em jeito de justificação.
E até porque, como o próprio reconheceu com o seu bom humor característico, “quero fazer concorrência ao Fernando Pessa”. E mais. “Não sei andar parado.” E não sabia mesmo. ”Que o digam os filhos, os três netos e as duas bisnetas, habituados, por excelência, às suas graças e constante adrenalina. Que o diga a esposa, Maria Costa, que conhece muito bem o que a casa gasta, há já mais de 60 anos, desde os tempos em “que se perderam de amores”. 
Em plena juventude da terceira idade, Fausto Costa fogiu à regra e não era daqueles que passava o tempo nos bancos do jardim, a jogar às cartas ou à malha, ou sequer a falar dos tempos idos. 
Além de uma exposição de pintura que realizou no Posto de Turismo em Buarcos, foi editando vários livros de edição própria e que esgotam num ápice, e alguns lançados por editoras. E fazia assim: ia guardando recortes e escritos onde guardava ideias, e de repente um dia acordava, ‘afinava’ a caneta e lá saia mais série de escritos esperando nova oportunidade de perpetuá-los! Só num ano publicou três. 
Fausto Caniceiro da Costa: uma vida assim dava um filme… sempre por acabar e com um argumento em permanente reescrita. 
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(Fausto Caniceiro da Costa nasceu em 05 de março de 1914 na Rua das Mercês na Figueira da Foz. Faleceu a 26 de setembro de 2006 com 92 anos)

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